“Negging político”: o que está por trás de “elogios” que desqualificam mulheres?
23 de junho de 2025
Um episódio ocorrido na Câmara Municipal de Londrina reacendeu o debate sobre as formas sutis, porém violentas, de desqualificação da atuação de mulheres na política. A vereadora Paula Vicente (PT) foi alvo de comentários feitos por um colega parlamentar durante sessão plenária da última terça-feira (17). Durante o discurso, o vereador Roberto Fu (PL) mencionou a vereadora em tom de “elogio”, porém com insinuações sobre seu temperamento e referências a vereadoras de outras legislaturas que teriam o mesmo “temperamento explosivo” — reduzindo a presença feminina na política a estereótipos emocionais e comportamentais.
A fala do vereador, que começou com declarações como “aprendi alguma coisa também, apesar da explosão de Vossa Excelência”, ainda indicou que o comportamento de sua colega seria “dado por Deus” — como se fosse uma falha inata:
“Nobre vereadora Paula Vicente, que a gente já conhecia, que era assessora nessa casa, mas a gente acaba aprendendo alguma coisa também, apesar da explosão de Vossa Excelência, mas a gente sabe, que isso é um temperamento que Deus deu e nós temos que, né?”
Após a fala, e da resposta de Vicente ainda em plenário, o vereador voltou a afirmar, indicando outras mulheres vereadoras que possuiriam “temperamento explosivo”:
“Eu ofendi alguém? Ou eu enalteci uma vereadora quando disse que aprendi com ela também? (...) Um vereador, respeitosamente, elogia o trabalho de uma vereadora, fala que aprendeu com ela, que já foi assessora nessa casa, e que esse temperamento que ela tem foi Deus que deu, e nós temos que aceitar... Quem se lembra da vereadora Elza Correia nessa Casa? Temperamento dela tinha dia que ela fazia... Um dia ela passou mal aqui, teve um princípio de infarto. Temperamento explosivo. Quem não se lembra da vereadora Mara Boca Aberta, que também tinha um temperamento explosivo? Mas isso é algo que Deus dá pra determinada pessoa. (...) Se arrependimento matasse, eu ia cair duro ali embaixo agora, de ter falado o nome dessa vereadora. (...) é uma pessoa jovem, mas eu respeito. Porque comigo é assim: arrancou? Então mata. Não vem me ameaçar não. (...) Não desrespeitei a nobre vereadora, cheguei a dizer que aprendi muito, apesar de ter um temperamento explosivo, que todo mundo sabe que tem mesmo.”
Quando o elogio vem com veneno: o que é negging político
Esse tipo de discurso se enquadra no que especialistas chamam de negging político: uma forma de violência simbólica na qual comentários aparentemente positivos são usados para diminuir ou desqualificar mulheres nos espaços de poder. Inspirado no conceito de negging das relações interpessoais — quando alguém elogia com uma crítica velada para gerar insegurança e controle, o negging político opera como uma tentativa de silenciamento e depreciação.
Neste cenário, homens afirmam estar elogiando, enquanto reforçam estereótipos misóginos, ridicularizam a presença feminina e reduzem a autoridade da parlamentar. É um ataque travestido de gentileza.
Violência política de gênero: sutil, mas estrutural
Segundo a Lei nº 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir e combater a violência política de gênero, ações que tenham como objetivo deslegitimar, impedir ou dificultar o exercício do mandato de mulheres, especialmente com base em estereótipos de gênero, são passíveis de responsabilização.
Apesar disso, casos como o ocorrido em Londrina ainda são tratados como “mal-entendidos” ou “mal-estar do debate político”. No entanto, conforme apontam diversas pesquisas sobre a presença feminina nas casas legislativas, é justamente esse tipo de ataque velado que mais afasta mulheres da política e normaliza um ambiente institucional hostil à diversidade de vozes. O episódio, infelizmente, não é isolado, mas um retrato da forma como o machismo se expressa nas instituições públicas.
“Não estamos falando apenas de palavras infelizes. Estamos falando de uma cultura política que ainda resiste à presença de mulheres combativas, que questionam, que propõem. Que falam alto porque têm o que dizer”, afirmou Vicente.
O caso segue repercutindo, não apenas pelo conteúdo das falas, mas pela necessidade urgente de repensar a forma como o debate público trata a presença das mulheres que ocupam cargos de poder, principalmente de forma combativa.
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